09/06/2010

IELB 106 anos e a Reforma

Há 106 anos a IELB continua
o que herdou da Reforma

Horst R. Kuchenbecker

Mensageiro Luterano – Junho 2010


Nos 106 anos da história da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), fundada em 24 de junho de 1904, em São Pedro do Sul, RS, o Mensageiro Luterano dá destaque aos 480 anos da Confissão de Augsburgo. Este é o primeiro documento formal e oficial da declaração pública sobre o que os cristãos luteranos creem, ensinam e confessam, a partir da Reforma Religiosa liderada por Martinho Lutero, na Alemanha, a datar de 1517. Este, talvez o principal, compõem o conjunto dos documentos explicativos da Teologia Luterana, reunidos no Livro de Concórdia que completa 430 anos, desde a sua primeira publicação em 1580.

O dia 25 de junho é uma data memorável. Neste dia, os luteranos celebram os 480 anos da assinatura da Confissão de Augsburgo e também os 430 anos da primeira publicação do Livro de Concórdia.
No dia 26 de maio de 1521, o Imperador assinou o Edito de Worms, declarando o monge Martinho Lutero proscrito, isto é, condenado à morte, e pedia que todos seus livros fossem queimados. Em maio de 1525, faleceu Frederico, o Sábio, que era o protetor de Lutero.

Os Turcos

O Imperador Carlos V estava resolvido a terminar com a heresia luterana. Julgou que era chegada a hora, e convocou a Dieta de Espira (1526), na qual deveria ser resolvido executar o Édito de Worms, exterminar os luteranos e restaurar plenamente a Igreja Católica na Alemanha. Os evangélicos protestaram e disseram que preferiam morrer a negar a verdade, daí o nome de protestantes. Devido a sua coragem, os luteranos conquistaram certa liberdade nesta Dieta, com a qual o imperador não concordou. Porém, por motivos de problemas políticos internos com Francisco I, o Imperador não pôde ser categórico.

Tão logo conseguiu livrar-se dos problemas internos do império, declarou nulas as resoluções da Dieta de Espira e convocou nova Dieta para o dia 15 de abril de 1529, para por um fim ao movimento protestante. Os príncipes protestantes levantaram sua voz ainda mais decididamente. O Imperador recuou e, fora do seu costume, convocou nova Dieta para março de 1530 em Augsburgo, pois, diante da ameaça dos turcos, era urgente sanar a divisão religiosa e unificar a Europa. No edital, o imperador adotou um tom cordial: “Nesta assembleia, deveriam ser esquecidos os aborrecimentos recíprocos, ouvidas as opiniões de cada parte dentro de um espírito de tolerância e bondade.”

A Dieta de Augsburgo

O príncipe-eleitor da Baviera, João, o Constante, solicitou aos teólogos da Reforma que elaborassem uma síntese clara das doutrinas fundamentais.

Melanchton, Espalatino, Justos Jonas, Bugenhagen e Agrícola puseram mãos à obra. Valeram-se dos artigos de Lutero de Torgau, Marbach e Schwabach. Temos nela também a corajosa participação dos príncipes luteranos, que arriscaram suas vidas e reinos ao subscreverem esta Confissão.

Os teólogos luteranos chegaram a Augsburgo em abril de 1530. O Eleitor João, o Constante, deixou Lutero, por ser um proscrito, em Coburg, com seu secretário Veit Dietrich. Enquanto os príncipes luteranos esperavam a vinda do Imperador, Melanchton terminou a redação da Confissão e a enviou a Lutero para que a examinasse. Lutero respondeu: “Li a apologia de Filipe. Não tenho nada a acrescentar ou modificar. Eu não consigo escrever de forma tão gentil. Queira o Senhor abençoar isto para que traga muitos frutos.”

No dia 15 de junho, o Imperador chegou a Augsburgo. Com grande pompa, fez sua entrada na cidade, acompanhado do seu irmão Fernando, o futuro rei da Germânia, com o nome de Ferdinand I, e de grandes personalidades do império. Quando o mensageiro apostólico proferiu a bênção, todos se ajoelharam, menos os príncipes da Saxônia e de Hesse, que permaneceram de pé. O Imperador se irritou, e convidou todos para a abertura da Dieta que seria celebrada com uma grande procissão de Corpus Christi. Na procissão, todos se ajoelharam diante da hóstia, menos o Eleitor João, o Margrave de Brandenburg e o Landgrave Filipe von Hesse que permaneceram de pé. O imperador ficou preocupado, e, para vingar-se, excluiu os pregadores protestantes dos demais momentos devocionais. Quando o imperador insistiu para que os protestantes viessem participar das missas, o Margrave de Brandenburg não pôde mais silenciar. Ele se levantou e disse: “Eu prefiro me ajoelhar diante de vossa majestade e ter minha cabeça decepada, do que negar meu Deus.”

Assustado, o Imperador retrucou em um alemão quebrado: Nit Kop ab, lieber Fürst! (Não cortar a cabeça, querido príncipe).

A tentativa de silenciar os pregadores protestantes falhou. O Imperador pediu, então, que lhe dessem uma cópia da Confissão “luterana” para que pudesse examiná-la e dar seu veredicto. Os protestantes insistiram para que a Confissão fosse lida. O Imperador se viu obrigado a consentir e pediu aos de Roma que também apresentassem sua Confissão de fé. Eles responderam: Nossa resposta é o Édito de Worms, que exigiu a proscrição da fé protestante.

Dois assuntos estavam na agenda da Dieta de Augsburgo: a ameaça dos turcos e a controvérsia religiosa entre católicos romanos e luteranos. A essa altura, os turcos já haviam conquistado Viena e avançavam. O exército germânico deveria rechaçá-los, o que seria impossível sem os príncipes alemães luteranos. Como induzir os príncipes protestantes a lutarem ao lado dos católicos? Os católicos teriam que desistir de sua intenção de erradicar a “heresia protestante”. Isso levou o Imperador a admitir que a Confissão fosse apresentada. E isto foi marcado para o dia 24 de junho, à tarde.

A leitura da Confissão de Augsburgo

Na parte da manhã, os príncipes luteranos se reuniram no palácio do Eleitor para examinar e subscrever a Confissão. O Eleitor da Saxônia foi o primeiro a se levantar para assinar. Melanchton interveio, afirmando que isso era assunto religioso e que deveria ser tratado somente por teólogos. Ele temia que a assinatura dos príncipes na Confissão pudesse enfurecer o Imperador e por em perigo a leitura. O Eleitor disse então palavras memoráveis:
“Deus proíbe que você me exclua. Eu estou resolvido a fazer o que é direito e não estou preocupado com minha coroa. Eu quero confessar o meu Senhor. Meu emblema e meu ofício deixarei para trás, mas meu Mestre na cruz me acompanhará ao céu.”

Melanchton, então consentiu na assinatura. Ambos, o Eleitor da Saxônia, apelidado de o Constante, e o Landgrave Fillipe von Hesse assinaram a Confissão, bem como os representantes de Nuremberg e Reutling.
No mesmo dia, às três horas da tarde, no paço episcopal, se reuniram os mais altos dignitários do Santo Império Romano-Germânico, sob a presidência do Imperador Carlos V. O Imperador pediu que a Confissão fosse entregue. Os príncipes luteranos se levantaram decididos e pediram que a Confissão fosse lida. O imperador consentiu. Devido a hora, a leitura foi adiada para a tarde do dia seguinte. No dia 25, o Imperador pediu que a Confissão fosse lida em latim. Os príncipes luteranos insistiram que fosse lida, em primeiro lugar, em língua alemã. O imperador não consentiu. Então o Eleitor da Saxônia disse: “Estamos em território germânico e peço que a leitura seja feita em língua alemã.”

O Imperador teve que consentir. Na sala, cabiam umas 200 pessoas sentadas. As janelas foram abertas para que o numeroso povo lá fora pudesse ouvir. O chanceler do príncipe-eleitor, o Dr. Christian Bayer, se colocou diante do Imperador e leu os 28 artigos da Confissão em voz alta e pausada. A leitura durou duas horas. O Imperador ficou impressionado, tomou para si a cópia na língua latina e entregou a cópia alemã para ser guardada nos arquivos reais. Após a leitura, o Duque católico William da Baviera perguntou ao Dr. Eck, que mais tarde escreveu a Confutação (resposta) à Confissão de Augsburgo:

Tu podes refutar esta doutrina?” Eck replicou: “Com os pais da Igreja sim, com a Bíblia não.” O Margrave respondeu: “Então os luteranos estão dentro da Bíblia e nós fora dela!”

Lutero, ao ouvir que a Confissão foi lida, escreveu ao Eleitor:

“Por esta leitura da Confissão na presença de toda a Dieta, o Evangelho foi pregado mais do que por dez doutores. A Palavra de Deus não pode ser aprisionada. Eles a proibiram nos púlpitos e foram obrigados a ouvi-la neste lugar.”

A Apologia

Os católicos impediram que a Confissão dos luteranos fosse aceita. O Imperador pediu então aos católicos que a refutassem. Após oito semanas, eles apresentaram a Confutação (Confutatio). Como ela era muito extensa, o Imperador se irritou, amassou a mesma e disse: Apresentem-me algo mais conciso que não nos envergonhe tanto. A quinta tentativa foi aceita pelo Imperador e lida no dia 03 de agosto. Os luteranos não receberam cópia; eles anotaram as principais refutações. Após a leitura, os católicos afirmaram que a Confissão luterana fora refutada e o assunto encerrado. Os príncipes luteranos protestaram. À base das anotações, Melanchton escreveu uma defesa da Confissão, chamada Apologia, que foi entregue no dia 22 de setembro ao Imperador, mas ele não a aceitou. A Dieta se encerrou no dia 19 de novembro, com a declaração de que a Confissão Luterana fora refutada e o assunto encerrado. Nos últimos dias, os luteranos conseguiram uma cópia da Confutação. Melanchton elaborou então a defesa da Confissão de Augsburgo com mais cuidado, chamada Apologia, que foi publicada, em latim, em maio de 1531 e enviada ao Imperador.

O tratado de Nuremberg

Como as questões políticas diante da ameaça dos turcos não estavam resolvidas, Lutero deu novamente o primeiro passo. Ele propôs uma nova Dieta para Nuremberg, na qual foi assinada, no dia 23 de junho de 1532, a Paz de Nuremberg, que permitiu aos aderentes à Confissão de Augsburgo persistirem em sua Confissão de fé. Com isto, os príncipes germânicos se uniram ao exército do imperador para combater os turcos, o que fez os turcos recuarem. Assim, o cristianismo foi preservado na Europa. Vemos em tudo isto a graciosa mão de Deus dirigindo sua Igreja.

Nossa herança

“Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa” (Ap 3.11).

Pela Confissão de Augsburgo e o Livro de Concórdia, Deus concedeu uma inestimável bênção à sua Igreja. Importa conservarmos esta herança pelo estudo e meditação, professando esta verdade corajosamente. Que Deus nos preserve fiéis na sua Palavra e ousados no testemunhar.


Fontes de consulta
- Hasse, Rodolfo F., Frei Martinho, Restaurador da Verdade Eterna. Casa Publicadora Concórdia S.A., Porto Alegre, RS. 2ª Edição.
- Just, Gustav, Deus despertou Lutero. Concórdia Editora, Porto Alegre, RS. 2ª Edição, 2003.
- Greiner, Albert, Lutero. Editora Sinodal, São Leopoldo, RS, 1969.
- Friedenthal, Ricahrd, Luther Sein Leben und seine Zeit. R.Piper & CO Verlag, München Zürich, 1982.
- Livro de Concórdia. Editora Sinodal, São Leopoldo e Editora Concórdia, Porto Alegre, RS. 1980.


Horst R. Kuchenbecker é pastor emérito da IELB, reside em São Leopoldo, RS.

horstkuchenbecker@gmail.com


Fonte: http://www.editoraconcordia.com.br/index.htm?endereco=noticias/64

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